O pleno cumprimento da Lei exige que o homem reconheça e ame Deus como o seu único Senhor. Jesus diz-nos que não é tolerável que o homem coloque a riqueza ao mesmo nível de Deus. Ou, pior ainda, que o amor à riqueza secundarize o amor devido a Deus.
Jesus, ao apontar a gravidade e a contradição de tal comportamento, mais do que defender um direito de Deus, tem em vista garantir a liberdade e a dignidade do homem. Na verdade, o Deus do amor, precisamente porque ama, está ao serviço do homem, respeitando todos os seus direitos. Deus, porque ama, não domina, mas dá-se ao homem para que este se realize plenamente. Ao passo que a riqueza, quando o homem lhe dá a primazia na sua vida, faz dele um escravo e, simultaneamente, um tirano.
Com efeito, quando se convence que a felicidade e a segurança da sua vida dependem dos bens materiais, o homem acaba por viver completamente em função deles. Como verdadeiro escravo, subordina-lhe tudo e sujeita-se a tudo para os acrescentar e conservar. Por vezes, é tão escravo deles que nem sequer os usa em seu proveito pessoal! Além disso, não raras vezes, o homem não hesita em hipotecar e menosprezar a sua consciência e a sua fé, as suas convicções e compromissos, os seus sentimentos e afectos, os seus amigos e até a sua própria família. Quantos, movidos pela sua desmesurada ambição, não agem como tiranos, explorando os outros ou exercendo um domínio indevido sobre eles! O endeusamento da riqueza acaba por desumanizar o homem e gerar enormes injustiças sociais.
Jesus convida-nos a confiar na providência de Deus, argumentando com o que Ele faz em favor das aves do céu e os lírios do campo. Deus, na sua sábia providência, proporciona a todos os animais e plantas o que eles precisam para viver. Muito mais o faz em relação ao homem. No entanto, a confiança na providência de Deus não implica desinteresse em relação aos bens deste mundo nem constitui um apelo à preguiça, como se tudo caísse do Céu e nos viesse ter às mãos. As próprias aves afadigam-se a procurar o alimento, a fazer os seus ninhos, a criar os seus filhos.
Algo de semelhante acontece com o homem. Deus faz a parte mais difícil, criando a natureza e dotando-a de tudo o que é necessário à vida e ao desenvolvimento do homem. O homem, por sua vez, deve trabalhar para conseguir os bens de que precisa. Mas deve fazê-lo consciente de que todos esses bens são um precioso dom Deus. Deve também sentir e reconhecer que, para além destes bens, que Deus no seu amor providente lhe concede, precisa, mais ainda, do próprio Deus. E deve tomar consciência e assumir que a sua vida depende mais de Deus do que dos bens que adquire e acumula com o seu esforço.
O homem que dá o primeiro lugar a Deus, que O ama com todo o seu coração e confia a Ele toda a sua vida e todos os seus projectos não se preocupa, excessiva e doentiamente, com o dia de amanhã, com o que comerá, beberá ou vestirá. Nessa medida, estará mais atento e será mais sensível aos pobres, partilhando com eles o que possui.
Aquele que confia no Senhor dá também a primazia ao Reino de Deus. Esse segue o conselho de Jesus: “Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça”, pois acredita na sua promessa: “tudo o mais vos será dado por acréscimo”. Aquele que consagra a sua vida ao reino de Deus receberá, como resultado e fruto desse seu empenhamento, todos aqueles bens que são inerentes ao próprio Reino. Quando o homem faz a sua parte, aquilo que está ao seu alcance e é sua missão fazer, então terá “tudo o mais” de que precisa para se realizar e ser feliz, pois Deus nunca falta com a sua parte.
“Não podeis servir a Deus e …”. Esta advertência de Jesus é válida e actual para nós.
- Não existirão muitos “tesouros” em nós a rivalizar com Deus, a lutar pelo primeiro lugar do nosso coração?
- Não viveremos demasiado preocupados com as seguranças humanas ao ponto de relegarmos Deus para segundo lugar, fazendo de Deus apenas “o amor das horas vagas”?!
- Não correremos o risco de andar metidos nas “coisas” da Igreja e de nos cansarmos em actividades apostólicas e pastorais mais por amor de nós próprios do que por amor de Deus, mais para satisfazer interesses pessoais do que em vista da glória de Deus?
O primeiro mandamento, que nos manda amar a Deus sobre todas as coisas, tem implícito o imperativo de fazer “todas as coisas só por amor de Deus” (D. João de Oliveira Matos).
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